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Teoria da GNS ramificada

Teoria da GNS ramificada

Reflexão sobre agenda nos role-playing games.

Introdução

Em 2001 Ron Edwards traz sua série de artigos teóricos sobre RPG fundamentados com base em suas discussões no forum The Forge. O que começa como, de acordo com as palavras dele, nada mais nada menos do que “O que Ron pensa”, veio até a comunidade como uma explosão, um big bang, que mudou a forma das pessoas projetarem e pensarem sobre os jogos de RPG. Sua proposta se chama “GNS e outras matérias da teoria da interpretação de papéis” e sua abordagem principal é a definição das três agendas criativas, Gamismo, Narrativismo e Simulacionismo, onde a primeira visa vencer o jogo, a segunda criar uma boa história e a terceira vivenciar uma realidade diferente. Agenda criativa nada mais é do que as motivações que os jogadores tem na sua tomada de decisão e criação de soluções para os desafios.
Ron cita que muito tormento surge a partir do uso da GNS pelas pessoas como dispositivo de rotulagem, que o termo se aplica a decisões, não a pessoas ou a jogos inteiros. Isso me fez refletir bastante, uma vez que decisões partem de pessoas e, em jogos, a experiência de alguém é moldada pela forma que o jogo foi construído, como sugere o modelo MDA. Logo, entendo que existe uma priorização de quais agendas são mais valorizadas em um determinado tipo jogo, entretanto, percebo que isso não restringe o impacto das demais.
Através do prisma de que as três agendas se encontram sempre em uma disputa pelo controle do jogo, entendo que algumas intenções que anteriormente partiam de uma delas, pode gravitacionar em direção as demais. Apartir dai, com a aparição das intenções, surge a ramificação das agenda de jogo, não mais apenas a agenda criativa.

Vetorização

Na física, vetores são utilizados para representar forças. O objetivo de vetorizar a GNS é mostrar que as agendas tendem a seguir diferentes caminhos, mas que existem direções intermediárias que não se tratam de de uma nova agenda, e sim um caminho híbrido entre duas delas. Essas forças tendem a direcionar o estilo de jogo (ou de jogar) em uma direção e esta diretiva eu chamo de intenção máxima.
Este é o objetivo central de cada agenda, o suprassumo daquela motivação. Para o Gamismo, resolução de desafio é o foco, o jogo em si, vencer. No narrativismo a intenção máxima é a contação de histórias, a criação de fatos ficcionais que entretenham quem presencia. Já o simulacionismo, a contemplação, a ação de poder vivenciar aquela experiência como se fosse a realidade e, através da verossimilhança, sentir-se imerso em uma realidade alternativa coerente.

GNS Vetorizada Esta é a representação gráfica da vetorização da GNS, onde três linhas partem do centro em direção noroeste, nordeste e sul, rumo a suas respectivas intenções máximas

As intenções

Conforme o gamedesigner molda seu jogo direcionando o foco da agenda criativa dos jogadores a uma das agendas de jogo, ele insere elementos que tracionam a partir de uma delas, gravitando em torno de outra que ele deseje priorizar, ou alterando parcialmente a rota em direção à uma mesclagem. Quando eu falo em gamedesigner eu não abranjo somente os autores do sistema de jogo, mas também a pessoa que mestra a campanha e altera a proposta inicial e as mecânicas daquele jogo para adequar as intenções dela naquela mesa. O que chamo de intenções, nada mais são do que elementos de direcionais dentro do jogo. Formas de jogar e objetivos trazidos não só por mecânicas mas também pela contrução da própria campanha. A partir dessas diretivas o jogador vai moldar sua agenda criativa.

Gravitação

As intenções, uma vez partindo da agenda inicial, sofrem o efeito da gravitação. Há dois tipos possíveis de efeitos da gravitação: Gravitação mantida e Gravitação mesclada.

Gravitação mantida

Se tratam de intenções originadas em uma das agendas, que se distacam ou não em direção à uma das demais mas que acabam retornando à mesma direção do vetor inicial. Seguem exemplos para cada uma das agendas:

  • Otimização de ficha (Gamismo): Adicionar ao jogo o objetivo de criar a melhor ficha possível é uma prática que parte do gamismo e se mantem na mesma direção, pois quanto melhores as habilidades e itens do personagem, maiores as chances de vencer;
  • Criação de um espetáculo (Narrativismo): Direcionar uma campanha à um público, como em uma stream, prioriza a contação de história, direciona um pouco para a simulação, mas retorna ao eixo inicial, substituindo apenas o que é melhor na concepção dos jogadores, pela concepção do público. Mas não deixa de ser um agrado pela história;
  • Reação ao se imaginar naquela situação (Simulacionismo): Imaginar a si na situação é um dos objetivos do simulacionismo, a intenção parte do simulacionismo, tende levemente ao gamismo por ser possibilitado pelo jogo, mas logo retorna à direção inicial.

Gravitação mesclada

Estas são as intenções que mesclam diferentes agendas, elas partem de um lado, tensionam para outro mas acabam por seguir um meio termo entre ambas. Aqui estão alguns casos:

  • Descoberta de mistério (Gamismo para Narrativismo): Um jogo focado em explicar da melhor maneira o motivo de algo, resolvendo um mistério a partir das revindicações feitas em jogo. Começa como desafio de jogo, mas tendenciona a uma boa contrução de história;
  • Resolução de Enigma (Gamismo para Simulacionismo): Um jogo com foco em resolver um enigma pré-concebido, algo com resposta já determinada. Começa como desafio de jogo, mas tendenciona a uma simulação da realidade, trazendo ao jogador a experiência de ser um detetive e investigar algo que já ocorreu;
  • Construção coletiva (Narrativismo para Gamismo): Parte da criação de uma história, mas por se tratar de um jogo com várias pessoas, tendenciona ao gamismo;
  • Criação de cenário (Narrativismo para Simulacionismo): Parte da criação de um mundo com história própria, mas se torna tão verossímil que passa a simular uma realidade;
  • Interpretação da Política (Simulacionismo para Narrativismo): Começa como uma representação de como seriam as manobras políticas na simulação, mas acabam agregando à ficção;
  • Evolução de personagem (Simulacionismo para Gamismo): Inicia simulando a vivência de uma evolução de vida, mas acaba por direcionar a um jogo com evoluções mecânicas verticais ou horizontais.

O efeito das oposições

Em dois casos particulares percebi uma possibilidade de oposições, onde os caminhos se dividem e só há possibilidade de seguir um ou outro, jamais ambos.
Um desses casos foi a resolução de enigma contra a descoberta de mistério, para você, talvez tudo seja mistério, mas a proposta que trago é de que a forma de chegar a solução é diferente. Enquanto a primeira propõe uma resolução já criada que é buscada pelos jogadores, a segunda propõe a criação emergente da solução à partir das interações dos jogadores com o mundo de jogo. São caminhos que se opõe e é necessário escolher um ou outro.
O segundo caso foi o da escolha do personagem e a escolha do jogador na situação. Ou você simula o que seu personagem, com a vivencia dele, faria, ou simula o que você, com suas experiências de vida, faria naquela situação específica. Dá pra chegar em uma solução que agrade ambos, mas uma acaba por sobrescrever a outra.

GNS Ramificada Esta é a representação gráfica da ramificação da GNS, seguindo a representação vetorizada e inserindo ramificações à partir dos vetores iniciais, com suas respectivas direções

Conclusão

Ao projetar um jogo ou planejar uma nova campanha, pense na diretriz que você quer dar aos seus jogadores. Uma agenda mal desenhada pode abrir brecha para diferentes interpretações, o que ocasionará graves conflitos entre os participantes da sessão. Um agradecimento especial ao Rafael Balbi por me introduzir a GNS e o MDA, e por todo conhecimento compartilhado no Podcast Café com Dungeon.

Referências

  1. GNS e outras matérias da teoria da interpretação de papéis
  2. GNS e outras matérias da teoria da interpretação de papéis, capítulo 2: GNS
  3. MDA: uma abordagem formal para o design e a pesquisa de jogos
  4. Café com Dungeon #0017 (Temporada 2) - Reflexões sobre a Agência do Jogador
  5. Café com Dungeon #0002 (Temporada 2) - Todo Mestre é Game Designer?
  6. Café com Dungeon #0013 (Temporada 2) - RPG Show: A Quarta Agenda?
  7. Café com Dungeon #0061 (Temporada 2) - Interpretando no RPG
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