Mecânica de Bando (parte 2) - Esquadrões
Todo bando possui sua estrutura de comando, seja uma liderança unificada ou uma ampla hierarquia com várias funções. Nesta parte do módulo trago uma sugestão de organização que fortalece sua ficção de maneira realista e ainda agrega ao seu jogo com um avanço mais adequado, do meu ponto de vista. Explicarei o porquê.
Nunca ouviu falar da mecânica de bando? Confira o artigo anterior!
Contextualização
Detalhando o surgimento das regras de esquadrão, sua necessidade, seus objetivos e suas primeiras adaptações.
Problemática e Justificativa
Lidar com sistemas de RPG que permitam uma alta personalização de habilidades de personagem te faz querer experimentar diferentes possibilidades. Quem nunca se pegou mais interessado na criação inicial em um jogo online do que no próprio jogo em si? A possibilidade gera curiosidade e a curiosidade desperta o interesse e motivação de jogo necessária, às vezes, para arruinar uma mesa já existente com o interesse súbito de trocá-la por uma nova. Acredito que isso tende cada vez mais a acontecer em gerações mais novas, dos millennials (1980-1995) para frente, pois é uma característica dessas gerações o imediatismo. Um contorno que evita o abandono de uma mesa existente é a liberação do uso de mais de um personagem na mesma campanha para um mesmo jogador, em momentos não simultâneos.
Seguindo esta mesma direção, existe uma outra necessidade, principalmente em mesas abertas, de personagens precisarem ter um tempo de inatividade (chamado downtime) entre uma exploração e outra. Essa exigência acaba por tendenciar em jogadores engajados a criação de mais de um personagem para a mesma mesa.
Pensando na questão do tempo, que já abordamos na introdução das mecânicas, um grupo com pouco tempo de jogo tende a demorar muito para ter uma evolução significativa. Pensando em números, supondo que um grupo se reúna para jogar uma vez por mês e que em todas as sessões os personagens subam de nível (o que não é comum na maioria dos sistemas), este grupo demoraria um ano inteiro para chegar ao nível 13, e um pouco menos de dois anos para chegar ao nível 20 (máximo em muitos sistemas). Se for levar em conta que um jogador possui dois personagens e que precisa intercalar o uso deles, o tempo dobra.
Tendo em vista esses dois incentivos importantes a se ter mais de um personagem e esta demanda de avanço em menos tempo, surge a ideia dos Esquadrões, o compartilhamento de experiência e nível entre personagens do mesmo jogador.
Inspirações
O que inspirou a criação dessa mecânica foi a necessidade. Não me recordo de ter visto algo similar em outro jogo. Ao invés de atribuirmos o nível ao personagem, estamos o atribuindo diretamente ao jogador. Uma vez que uma quantidade de experiência é adquirida por ele em uma determinada mesa, todos seus personagens evoluem simultaneamente.
O experimento inicial
No primeiro experimento, optei por uma abordagem um pouco radical, o nível não era atribuído a um personagem ou a um jogador e sim a todo o grupo. Independente de quem jogasse, em determinado momento da campanha todos os personagens avançariam de nível juntos. No experimento utilizamos o número de sessões como base, o avanço de nível ocorreria após uma quantidade de sessões equivalente ao nível atual + 2, levando 3 sessões do nível 1 ao 2, 4 do nível 2 ao 3 e assim sucessivamente.
O experimento funcionou bem, mas notei dois pontos que não me agradaram muito. O primeiro foi por conta do compartilhamento com todo o grupo, que era uma sensação de que não importava a participação ou não em jogo, o personagem evoluiria, o que não engajou bem os jogadores. Fora que havia alguns que em quase toda sessão que jogavam precisavam atualizar ficha, pois o grupo havia avançado sem ele. O segundo ponto foi por um não uso de experiência, a sensação de que os jogadores seriam beneficiados independente das ações que tomaram durante a sessão, o que acarretava em uma baixa relevância na qualidade das ações. O jogo se resumiu a combates.
Um fator importante desse experimento foi que nos momentos anteriores à missão, o grupo interagia com os demais membros, inclusive personagens de um mesmo jogador interagindo entre si. Para criar uma interface de comunicação que explicasse a ida de um único personagem daquele mesmo jogador, criei a ideia de um esquadrão. Cada jogador seria responsável por um esquadrão, onde todos seus personagens fariam parte dele. Um desses personagens seria o líder do esquadrão e no início do dia se reuniria com o líder do bando para decidir quem iria na expedição. Desta forma a primeira versão da ideia de esquadrões surgiu.
Avanço posterior
Com as observações do experimento e com os aprendizados que absorvi do Café com Dungeon, cheguei à conclusão de que a experiência era parte fundamental da sensação de recompensa que os jogadores tinham com o jogo, sendo assim, optei com retornar a essa funcionalidade, mas sem limitar este módulo de regras a mecânicas específicas de pontos de experiência.
As regras
Aqui estão definidas as regras principais da mecânica para o uso de esquadrões. Tenha em mente que personagens de um mesmo esquadrão treinam em conjunto quando estão juntos, compartilhando experiências vividas de maneira mais intensa e realmente mentorando uns aos outros.
Pontos de experiência
Levando em consideração o sistema que você escolheu utilizar, analise a forma como funciona o avanço de nível nele. Em casos simples onde você acumula uma quantidade de pontos de experiência dentro de um nível para subir para o próximo, trate tudo que lidar com personagem como esquadrão ou jogador. Em sistemas onde a escolha da classe impactam o avanço de nível, trabalhe com um valor mediano, some as pontuações necessárias para avanço e divida pela quantidade de classes, ou se preferir, utilize os valores maiores ou menores, o importante é deixar alinhado com os jogadores e agir de maneira igualitária com todos.
Recursos
Por uma questão de realismo na ficção e a progressão do jogo, os personagens não devem compartilhar recursos (sejam eles moedas, armas, armaduras ou outros itens) entre si, mesmo se pertencerem a um mesmo esquadrão. Um possível compartilhamento causaria uma quebra no jogo fazendo com que alguns personagens se Sobressaíssem em relação aos demais, já que os recursos seriam melhor administrados, permitindo um redirecionamento do gasto. No caso da ficção, ela é afetada pois as pessoas costumam ter sua própria individualidade. Emprestar algo implica em uma possível perda. Sem falar que em caso de alguma emergência ou ataque à base do bando, o personagem estaria mal equipado por consequência da partilha. Qualquer empréstimo dentro de jogo deveria ser tratado como um negócio, fazendo com que o verdadeiro dono do recurso seja recompensado ao fim da sessão por cada posse. Uma exceção válida ao compartilhamento é o caso de doação de um recurso que seja de valor muito pequeno (menor que 0.1% do valor total de moedas de quem doa). Cada recurso deve, obrigatoriamente, pertencer a um personagem e constar em sua ficha ou planilha de jogo, exceto os itens compartilhados do bando, aqueles que não são levados para a aventura e pertencem ao grupo como um todo.
Ganhos financeiros
Para equilibrar a aquisição de recursos conforme a progressão de nível, eu gostaria de sugerir que você utilizasse valores maiores de recompensas do que os recomendados pelo sistema, mas não exagere, adeque os valores mas os mantenha ainda fazendo sentido na ficção. Caso sua mesa utilize ganho de experiência por moeda conquistada, disponibilize outros tipos de recurso que não possuam valor de mercado, mas que podem ser trocados por algum item interessante através de escambo, dessa forma a progressão de nível é mantida. Outra forma de lidar com isso é auxiliar os jogadores a terem formas alternativas de ganho de dinheiro, como investimentos, maiores ganhos com trabalho em dias onde não saem para expedições (tempo de inatividade) e outros negócios financeiros.
Quantidade de personagens em um esquadrão
A criação de mais de um personagem é incentivada, mas ter personagens demais sob seu controle deve ser um fardo. Isso pois quando se cria uma variedade muito grande de personagens, existe uma tendência a abandonar os mais antigos, o que atrapalha na evolução ficcional deles, já que sua história fica esquecida. Um jogador que opte por jogar com diversos personagens, deve se responsabilizar por mantê-los em jogo. Para isso, um avanço de nível só será possível caso o jogador tenha utilizado todos os seus personagens no nível atual, independente da quantidade de experiência.
Entrada de novos membros no esquadrão
Uma vez que o nível inicial passa a ser o nível do esquadrão, novos membros da equipe se juntam já com experiências de vida, eles são inseridos nesse time por questão de afinidade pessoal com o líder e passam a responder a este, estando disponíveis para as missões. Não há custo de experiência para adicionar um novo membro ao esquadrão, mas a adição traz algumas desvantagens como a citada anteriormente e as que serão citadas a seguir.
Débitos de experiência
Qualquer situação que cause um débito de experiência não reduz o nível atual de um esquadrão. O que acontece é uma defasagem, que torna o próximo avanço mais difícil.
Exemplo:
- Para alcançar o nível 3, um personagem precisa de 3000 pontos.
- Para alcançar o nível 4, precisa de 6000 pontos.
- Se, estando no nível 3 com exatamente 3000 pontos, o personagem perder 750 pontos, ele ficará com 2250 pontos, mas continuará no nível 3.
- Nesse caso, para chegar ao nível 4, serão necessários 3750 pontos (em vez dos 3000 habituais, diferença entre os níveis 3 e 4).
Em sistemas onde a experiência é zerada a cada avanço de nível, considere sempre os números totais acumulados, como se não houvesse zeragem.
Aposentando um personagem
Caso o jogador não deseje mais utilizar um personagem e opte por removê-lo do seu grupo, ele deverá arcar com o custo de 15% da experiência atual do esquadrão. Mecanicamente isso é necessário para evitar um descarte de personagens e ficcionalmente isso representa parte dos ensinamentos que foram levados e não mais compartilhados. Uma vez com a experiência gasta, o jogador não precisará mais se preocupar com este personagem para seu avanço de nível e este passa automaticamente a pertencer ao mestre, que deve guiá-lo com uma abordagem que faça sentido com a história construída até o momento.
O retorno à ativa
Um personagem que foi aposentado anteriormente pode retornar à atividade dentro de um esquadrão, sem custo de experiência. O personagem retornará e será treinado novamente até que seu nível seja equivalente ao dos demais membros do time, ou ele poderá apresentar uma justificativa ficcional que justifique o aumento de nível. Após o gasto da experiência o personagem volta a pertencer ao jogador e deixa de pertencer ao mestre, porém, este segundo precisa aprovar a ideia, uma vez que estava em sua posse.
Morte
Para não banalizar a morte de um personagem, sempre que algo assim ocorrer, independente do motivo, o jogador será penalizado com um gasto de 25% da experiência atual do esquadrão. Mecanicamente isso representa uma penalização como consequência pelas ações tomadas (que ainda é bem melhor que perder 100%, como era antes dos esquadrões) e dentro de jogo isso representa o luto, pois todos os membros daquele esquadrão precisam lidar com a perda de um dos seus companheiros mais próximos e queridos, sem falar que precisam se adaptar para treinar com a falta dele.
Conclusão
Espero que estas regras deem um bom direcionamento para sua campanha. Talvez os valores em porcentagem sejam revisados futuramente neste mesmo artigo, assim como já foram uma vez. Caso queira compartilhar sua opinião sobre o que achou do conteúdo ou contar como foi sua experiência utilizando, entre em contato comigo pelo Telegram ou Tiktok, ambos estão na parte inferior da barra lateral do blog. Divirta-se com seu grupo utilizando estas mecânicas!